Presidente dos EUA recebido em Cuba

Bloqueio e Guantánamo<br>ensombram visita

Barack Obama concluiu, anteontem, a primeira deslocação de um presidente norte-americano a Cuba em 88 anos. Da visita histórica sobressaem o país e o seu povo como exemplos de dignidade.

A política dos EUA face a Cuba nos últimos 50 anos é uma «aberração»

Entre o final da tarde de domingo, 20, e o final da tarde de terça-feira, 22, Barack Obama permaneceu em Havana, capital da «ilha da liberdade». Primeiro, cumprindo uma agenda mais distendida – passeio pela zona histórica, entre a catedral e um popular restaurante situado no centro da cidade velha, onde jantou; tributo ao herói nacional cubano José Marti, na Praça da Revolução, com a imagem icónica de Che Guevara ao fundo, na manhã de segunda-feira, 21 –, mas nem por isso menos reveladora de que em Cuba, da parte daquela direcção política-governativa e daquele povo, a elevação moral e a consciência estão ao nível de se respeitar o mais alto titular do país responsável por décadas de carências materiais e isolamento.

Barack Obama não se sentiu ameaçado em Cuba. Foi ali tão livre quanto o pode ser o presidente da maior potência mundial em visita ao estrangeiro. Seguramente foi mais livre em Cuba do que nos périplos por qualquer dos países aliados, e, por maioria de razão, do que em qualquer das nações subjugadas pelos EUA através do domínio económico, ou daquelas alvo do saque, da ingerência e da agressão militar ou paramilitar, directa ou indirecta, do imperialismo.

Barack Obama transpôs essa experiência de liberdade do particular para o geral e afirmou que Cuba não é uma ameaça para os EUA. Aliás, o programa inicial pode traduzir que esse era um seu objectivo e dos anfitriões: derrubar a ideia da alegada ameaça cubana, persistente a escassas 90 milhas náuticas do território continental dos EUA.

Da visita de Obama a Cuba ressalta ainda o facto de a manutenção do bloqueio e da ocupação da base naval de Guantanámo permanecerem como testemunho de uma política falhada, como admitiu, uma vez mais, o presidente dos EUA. 

Franqueza

Na terceira e última jornada em Havana, antes de terminar a visita assistindo a um jogo de basebol (o desporto mais popular em Cuba) entre a selecção nacional de Cuba e uma equipa profissional norte-americana, realizado no Estádio Latino-Americano, Barack Obama encontrou-se no Grande Teatro Alicia Alonso com membros de organizações cubanas.

Na presença do que erradamente se apelida de estruturas da «sociedade civil» [como se houvesse outra, por exemplo, castrense], bem como do presidente Raúl Castro e de vários membros da direcção da República de Cuba, Obama falou como e o que entendeu, manifestando-se, por exemplo, favorável à livre de expressão de ideias e a eleições livres e justas.

Se reflectirá sobre a aplicação destas últimas considerações nos EUA, para não ir mais longe; se disse o que realmente pensa, talvez nunca saibamos. O que se sabe é que também repetiu, no fundamental o que já tinha afirmado segunda-feira, 21, em encontro oficial com Raúl Castro, no Palácio da Revolução, assim como durante a conferência de imprensa conjunta que se seguiu àquela reunião, e no fórum que juntou empresários norte-americanos e membros do sector estatal e de outras formas de gestão cubanos.

Para Barack Obama a política norte-americana dos últimos 50 anos face a Cuba é uma «aberração» que provocou graves danos a ambos os povos e países, em particular ao povo cubano. Nesse sentido, o que tem de ser feito é levantar o bloqueio, último resquício da Guerra Fria, e uma «carga obsoleta» no desenvolvimento das relações bilaterais e, bem assim, na sua completa normalização (o principal assessor de Obama para a política externa, Ben Rhodes, também o disse em entrevista em Havana).

O presidente dos EUA, assegurou, igualmente, que muito une Cuba e os EUA, os cubanos e os norte-americanos, e que sem esconder as diferenças e sabendo que «o destino de Cuba não vai ser decidido nem pelos EUA nem por outra nação», e que «o futuro de Cuba – soberana, com o direito a sentir o orgulho que sente – será decidido pelos cubanos e por mais ninguém» (sic), muito mais existe que aproxima ambos os povos e países.

Desde logo valores e interesses comuns, e projectos e áreas de cooperação com benefício mútuo, as quais registaram avanços nesta visita, casos da agricultura, das telecomunicações ou da investigação científica em saúde, na sequência de acordos anteriores em matéria cambial e de transferências financeiras, ou de viagens. 


Até quando?

Ao longo da visita, Barack Obama foi reiterando que o seu governo está a fazer o possível para melhorar as relações bilaterais, e no que ao bloqueio económico, comercial e financeiro diz respeito, insistiu em apelos para que o Congresso dos EUA lhe ponha fim.

Considerou também, com particular ênfase no fórum empresarial e no encontro no Grande Teatro, que o «talento», a criatividade e a inovação e a solidariedade dos cubanos, aperfeiçoados pelo sistema de educação [que elogiou], e de que são exemplo a assistência médica que Cuba oferece aos mais carenciados em todo o mundo, são um manancial de capacidades e potencialidades disponíveis e valiosas para a «integração [de Cuba] na economia global».

Este tipo de afirmação decorre da formatação meritocrática e da lógica da reprodução do capital como fim de todas as coisas com que Obama e os defensores do capitalismo apreendem as relações e os actores sociais. Obama foi a Cuba socialista mas não se rendeu ao socialismo nem assimilou os seus princípios.

O que importa destacar, porém, é que Barack Obama não ficou sem resposta, ouvindo da parte da «cidadania» cubana que pode fazer muito mais para esvaziar o bloqueio, que pode terminar com as operações de ingerência e o financiamento de grupos cujo propósito é subverter a ordem constitucional de Cuba, e que tem poder para proceder à necessária reparação histórica dos danos causados a gerações de cubanos.

No essencial, o presidente Raúl Castro já lho havia dito. Ainda que tenha enfatizado a necessidade de garantir a «convivência civilizada» a partir do concreto, e de ter valorizado os passos positivos entretanto dados pela actual administração em Washington, enfatizou que não chegam. É urgente resolver os grandes obstáculos à normalização das relações, nomeadamente o «desmantelamento» do bloqueio no que está ao alcance da Casa Branca, e devolver a área hoje ocupada pela base naval norte-americana em Guantánamo, disse Raúl.

Raúl Castro salientou outros dois aspectos para quem quis entender: que a normalização das relações não pressupõe qualquer renúncia de Cuba ao destino livre e soberano que escolhe – aliás, isso é de tal forma evidente que a anteceder a visita de Barack Obama, o Estado cubano recebeu e condecorou Nicolás Maduro com a mais alta distinção, tendo firmado com o presidente da Venezuela, alvo de uma campanha de ingerência por parte do governo de Barack Obama, uma série de convénios económicos. O presidente cubano esclareceu, ainda, que Cuba não aceita a manipulação do tema dos Direitos Humanos.

Nessa matéria, todos têm telhados de vidro, aludiu Raúl. Uns mais que outros, é claro. E Cuba, a esse respeito, não só não recebe lições como pode muito bem dá-las aos EUA. A verdade não deixa de o ser pese a sua distorção, ou a difusão de calúnias através dos vários instrumentos a que a classe que detém o poder se socorre para mistificar e perpetuar a sua dominação.

Ao cabo de uma visita histórica o que fica é o anacronismo do bloqueio e da ocupação de Guantanámo, escolhos maiores entre dois países condenados pela geografia a viverem lado a lado. Até quando? Barack Obama não soube responder.


Colômbia tão perto

Aproveitando a sua presença em Cuba na comitiva que acompanhou Barack Obama, o secretário de Estado dos EUA, John Kerry, reuniu-se com os delegados do governo colombiano e das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia – Exército do Povo (FARC-EP). O chefe do grupo negociador das FARC-EP (que os EUA mantêm na lista de «organizações terroristas»), Iván Cepeda, expressou que tal reflecte o apoio internacional à conclusão de um acordo definitivo de paz justo.

A Oficina do Alto Comissariado para a Paz, adiantou, por seu lado, que Kerry garantiu que os EUA irão colaborar nas etapas posteriores à assinatura de um tratado de paz, designadamente com apoio financeiro e na desminagem do país.

As FARC-EP e o governo colombiano dialogam em Havana desde Novembro de 2012, tendo até ao momento chegado a acordo em matéria de reforma agrária integral, participação política, combate às drogas ilícitas e reparação das vítimas do conflito. Por estabelecer, estão os entendimentos definitivos quanto aos termos do cessar-fogo bilateral e o desarmamento, a desmobilização e a reintegração na sociedade dos combatentes e prisioneiros de guerra, o mecanismo de sufragação do texto final.

 



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